São Paulo - A crise econômica e a restrição de crédito tiraram os compradores de imóveis da zona de conforto. Se antes era possível financiar imóveis novos e usados com entradas pequenas e juros mais palatáveis, hoje os bancos têm exigido sinais maiores e aplicado taxas mais salgadas.
As novas condições são fruto da menor captação de recursos pela poupança. Entre janeiro e junho deste ano, a quantidade de saques da poupança superou a de depósitos em 38,541 bilhões de reais, o pior resultado já registrado para um primeiro semestre desde 1995, início da série histórica do Banco Central (BC).
Como consequência, nos primeiros sete meses do ano, o volume de empréstimos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), principal fonte de recursos do país para a aquisição e a construção de imóveis, foi de 50,7 bilhões, uma redução de 20% em relação ao mesmo período de 2014, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
De acordo com a Abecip ainda, nos últimos 12 meses encerrados em julho, foram financiados 459,3 mil imóveis, um recuo de 15,6% em relação aos 12 meses anteriores.
Os depósitos em poupança têm diminuído por dois motivos principais: o primeiro é o aperto no orçamento dos brasileiros, como consequência da alta da inflação, do aumento do desemprego e do maior endividamento das famílias, fatores que limitam a capacidade de investimento da população.
A segunda razão é a alta da taxa de juros básica da economia (Selic), que está aos 14,25% ao ano. Como a Selic serve de parâmetro para o rendimento das aplicações de renda fixa, que são mais conservadoras, suas altas têm contribuído para elevar a rentabilidade de investimentos que competem com a poupança na atração de recursos. Já a caderneta, quando a Selic passa dos 8,5% ao ano, rende sempre 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial (TR), e não acompanha as altas da taxa básica de juros.
Com a redução na captação da poupança, a Caixa Econômica Federal, responsável por 67,89% dos financiamentos imobiliários do mercado (dados da Caixa, referentes a junho), vem tomando desde o começo do ano sucessivas medidas para restringir o acesso ao crédito.
Em abril, o banco anunciou a redução nos limites de financiamento de imóveis usados pelo Sistema de Amortização Constante (SAC), no qual o valor amortizado é constante, mas as prestações são decrescentes, pois os juros pagos nas parcelas iniciais são maiores e diminuem ao longo do tempo.
Assim, nas operações que usam recursos da poupança, que são aquelas que fazem parte do SBPE, o limite de financiamento pela Caixa passou de 80% para 50% do valor do imóvel no Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e de 70% para 40% para financiamentos pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).
O SFH engloba financiamentos de até 750 mil reais nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Distrito Federal, e de até 650 mil reais nos outros estados. Os demais financiamentos são feitos dentro do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
As siglas costumam confundir, mas para ficar claro, enquanto o SBPE é o sistema que fornece os recursos para o crédito imobiliário, o SFH e o SFI são sistemas que regulam os financiamentos.
A Caixa também já havia reduzido de 90% para 80% o limite do financiamento para imóveis em geral e anunciado duas rodadas de elevações nas taxas de juros dos financiamentos. Neste mês, o banco também anunciou que não concederá mais crédito imobiliário a clientes que já possuam algum financiamento na Caixa que utilize recursos do SBPE.
Assim como a Caixa, o Banco do Brasil e os bancos privados também anunciaram elevações das taxas e o Itaú, inclusive, também reduziu a cota máxima de financiamento de 80% para 70% do valor do imóvel.
Assim, o cenário apresentado ao consumidor se mostra mais complexo. Os empréstimos ficaram mais caros e restritos. Mas, não é o fim da linha. Ainda existem opções para quem quer realizar o sonho da casa própria.
Para retratar esse novo quadro, o Canal do Crédito, site que compara custos de empréstimos, realizou um levantamento, a pedido de EXAME.com, que mostra exatamente as condições que o comprador encontra hoje no mercado para financiar um imóvel.
Foram simulados os custos para financiar imóveis novos e usados, com entradas de 10%, 20%, 30% e 50% e em três faixas de valor: 100 mil, 500 mil e 800 mil reais. O levantamento levou em consideração que o comprador teria 40 anos de idade e o financiamento seria realizado pelo sistema SAC em um prazo de 30 anos.
O infográfico a seguir apresenta um resumo da simulação apenas com os bancos que oferecem as melhores condições em cada caso, a partir de dois critérios: o custo final do financiamento; e o Custo Efetivo Total (CET), taxa que engloba não só os juros como todos os encargos que fazem parte da operação.
O infográfico mostra as melhores condições oferecidas entre o Banco do Brasil, a Caixa, o Itaú e o Santander. O Bradesco não foi considerado no infográfico pois não disponibiliza dados de financiamento publicamente. No entanto, é possível consultar o CET praticado pelo banco neste link, que mostra o resultado da simulação completa.
A simulação mostra que para imóveis de até 400 mil reais, a opção de financiamento mais vantajosa indiscutivelmente é a linha de crédito Pró-cotista, que utiliza recursos do Programa Especial de Crédito Habitacional ao Cotista do FGTS e permite financiar até 90% do valor do imóvel no Banco do Brasil e até 85% na Caixa, seja ele novo ou usado, mas desde que o valor da unidade seja limitado aos 400 mil reais.
Suas taxas são as mais vantajosas do mercado hoje, mas a linha tem restrições: é voltada apenas a trabalhadores com contas vinculadas ao FGTS, que tenham completado pelo menos três anos de contribuição (consecutivos ou não).
O tomador também deve ter contrato de trabalho ativo ou saldo na conta do FGTS de, no mínimo, 10% do valor do imóvel; não pode ser proprietário, futuro comprador ou cessionário de imóvel residencial, pronto ou em construção, localizado na região metropolitana onde reside ou trabalha; e não pode ter outro financiamento ativo no âmbito do SFH.
No fim de maio, o governo liberou 4 bilhões de reais para a linha Pró-cotista e anunciou a redução do valor do imóvel que pode ser financiado pela linha de 750 mil reais para 400 mil reais. Com a medida, o governo tenta minimizar a retração do crédito e atender um número maior de famílias.
Além do programa Minha Casa Minha Vida (que financia imóveis de até 190 mil reais), a linha Pró-cotista é a única alternativa para quem pretende comprar imóveis usados na Caixa, mas não tem capacidade de arcar com as entradas de pelo menos 50% do valor do imóvel.
Já para imóveis com valores superiores a 400 mil reais, que não entram na Pró-cotista, a simulação mostra que a Caixa continua sendo o banco com melhores taxas na maioria dos casos, desde que o comprador possua as entradas exigidas para compra de imóvel usado ou esteja interessado em um imóvel novo, cujo limite de financiamento é maior (80% do valor da unidade).
Para compradores que não preenchem esses requisitos, o BB aparece como a melhor opção na maioria dos casos. “O Banco do Brasil assumiu o papel que era da Caixa no mercado”, afirma Marcelo Prata, presidente do Canal do Crédito.
Ainda que a Caixa e o BB ofereçam os menores custos na simulação, como o levantamento considera as taxas de balcão praticadas pelos bancos (oferecidas a clientes sem relacionamento prévio com a instituição) o comprador que possui um relacionamento mais antigo com o banco e uma avaliação de crédito positiva (ou no linguajar dos bancos, um bom score), pode conseguir taxas mais vantajosas do que as apresentadas.
Por isso, é recomendável consultar cada um dos bancos para observar qual deles oferece os melhores custos, de acordo com o seu perfil. “Fora da linha Pró-cotista não há mais muita diferença de custos entre bancos privados e públicos. Como todos subiram as taxas, o que vai diferenciar os custos agora é o relacionamento do cliente com o banco”, diz Prata.
Com mais restrições nos bancos, construtoras têm passado a oferecer financiamento direto aos clientes. “Se o banco emprestava 80% do valor do imóvel e agora só empresta 70%, as construtoras têm financiado essa diferença de 10%”, afirma João da Rocha Lima, professor titular de real estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP)
Renato Ventura, vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) afirma que diversas construtoras têm oferecido a alternativa.“Nós entendemos que esse é um papel do banco, já que a atividade principal das construtoras não é essa, mas elas aparecem como uma opção temporária diante da restrição do crédito”, diz Ventura.
Apesar de ser uma alternativa para o comprador que não consegue aprovar a carta de crédito nos bancos, o financiamento com a construtora pode não ter condições tão favoráveis quanto as oferecidas nos bancos. "Eles costumam ser mais caros e ter prazos menores, de quatro ou cinco anos”, afirma João da Rocha Lima.
Na construtora PDG, os clientes que não conseguirem aprovar o financiamento de 80% do valor do imóvel com o banco podem financiar direto com a construtora a diferença em até 20% do valor do contrato, em um prazo de até três anos. Questionada sobre as taxas aplicadas, a empresa respondeu que os juros dependem do fluxo de caixa do cliente.
A construtora MRV também financia até 20% do valor imóvel, caso o banco não conceda o crédito suficiente. E segundo Rodrigo Rezende, diretor de marketing MRV, a empresa deve passar a oferecer a possibilidade de financiamento de até 100% da unidade diretamente com a construtora para imóveis na planta.
“Não é o que gostaríamos de fazer, afinal não somos um banco, mas para compensar o momento é uma boa alternativa. O prazo será de 15 anos e a taxa de juro deve girar em torno de 1% ao mês”, diz Rezende.
Se o imóvel pretendido for vendido por uma construtora que não oferece a possibilidade de financiamento direto e o valor que você possui for insuficiente para conseguir a aprovação do crédito, vale a pena pensar se seria o caso de buscar um imóvel menor, ou postergar a compra.
"Talvez seja um momento de dar um passo atrás no sonho. Isso é importante não só pelo custo da compra, mas pelas despesas adicionais. Não só os custos do financiamento estão maiores, todo o entorno está inflacionado, como a taxa de condomínio e outras contas”, diz Marcelo Prata.
Por outro lado, ainda que as condições de crédito estejam piores, descontos oferecidos por construtoras nos imóveis novos e por pessoas físicas nos usados podem compensar os juros maiores.
“É o momento certo para fazer bons negócios. Com a demanda menor, vendedores aceitam negociar mais. Se o comprador conseguir um bom desconto, vale a pena aproveitar, mesmo com os juros mais altos, porque depois é possível fazer a portabilidade”, afirma o presidente do Canal do Crédito.
De acordo com a resolução 4.292 do Conselho Monetário Nacional (CMN), o tomador tem o direito de transferir o financiamento para outro banco. Assim, se você quiser aproveitar uma boa oportunidade agora, é possível migrar o financiamento futuramente para bancos que estejam oferecendo taxas menores, em linha com o mercado.
De todo modo, é importante se certificar de que o desconto no valor do imóvel realmente faz sentido ou se o preço está mais baixo apenas porque a construtora aumentou o preço de tabela, para divulgar "valores promocionais". Para isso, vale pesquisar os preços de imóveis semelhantes na mesma região.
Marcelo Prata afirma que o freio na demanda abre espaço para boas oportunidades, principalmente em relação aos imóveis usados. “Algumas pessoas estão tentando vender o imóvel com mais urgência porque estão endividadas”, diz.
De acordo com João da Rocha Lima, as construtoras também têm oferecido descontos para reduzir o número de unidades em estoque. “É como se mercado hoje fosse um grande outlet”, diz o professor da Poli-USP.
Diante dessa situação, as empresas têm evitado iniciar novos empreendimentos. “Um empreendedor não vai começar um projeto novo hoje e tomar todo o risco do negócio para vender o imóvel pelo valor que está na ponta de estoque”, comenta Lima.
Assim, segundo o professor, a tendência é de que as empresas esperem o esgotamento desta safra de imóveis para só depois iniciar a construção da nova safra, que deve vir com preços mais altos.
Os dados mais recentes do Secovi-SP (Sindicato da Habitação) comprovam que os estoques estão elevados. Em junho, na cidade de São Paulo, o número de unidades em estoque chegou a 27.488, um aumento de 29% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em maio, os estoques estavam ainda mais elevados e chegaram a 28.118 unidades, o maior volume da série histórica do Secovi-SP, iniciada em 2004.
São dados que revelam que o momento pode ser bom para a compra, mas as empresas já estão ajustando sua oferta à nova realidade de mercado. Isso pode sugerir que talvez as oportunidades não se arrastem por muito tempo.
O professor da Poli-USP acredita que os estoques devem se encerrar até o meio do ano que vem. "Depois de queimar esse estoque, vamos sair dessa situação de ‘mercado outlet’ e passaremos a uma nova realidade de preços e de tipos de imóveis, que podem vir menores para se adaptar à capacidade de compra da população”, diz o professor da Poli-USP.
O indicador Abrainc-Fipe, que reúne dados de 26 companhias de capital aberto e/ou com presença nacional, corrobora com a visão de que as empresas estão se ajustando. Ele mostra que o volume de vendas de imóveis comerciais e residenciais no acumulado do segundo trimestre de 2015 (25.692 unidades) é 76% maior que o volume de unidades lançadas (14.601).
O indicador mostra também que a oferta final de imóveis (que reflete o número de imóveis à venda no mercado não só em estoque, como na planta) atingiu 99 mil unidades em junho de 2015, contra 101,9 mil em junho de 2014. Ao considerar o indicador Venda Sobre Oferta (VSO) trimestral atual, o Abrainc-Fipe mostra que esse volume de unidades ofertadas se esgotaria em 13,2 meses.
“Muitos empreendimentos foram lançados em 2011 e suas unidades estão sendo entregues agora, então existe uma oportunidade para o comprador. Mas, desde 2011, o setor já vem ajustando sua atividade e reduzindo lançamentos. O número de vendas maior que o de oferta é um sinal disso”, afirma Ventura, vice-presidente da Abrainc.
Ainda que no geral os especialistas indiquem que os preços estão vantajosos no momento e que isso tende a mudar com o ajuste em curso nas construtoras, é preciso tomar cuidado com generalizações. “Os imóveis não são commodities, os valores podem se comportar de maneira diferente em cada lugar”, diz Ventura.
De qualquer forma, o mais provável, segundo as fontes consultadas, é que o quadro mude a partir de meados do ano que vem e os preços voltem a subir acima da inflação, revertendo a tendência apresentada nos últimos meses.
De acordo com o Índice FipeZap, que mede o valor médio de imóveis à venda na internet, os preços dos imóveis no Brasil tiveram alta de 1,51% de janeiro a julho, variação inferior à inflação estimada pelo IBGE para o período, de 6,79%, o que significa uma queda real – valorização inferior à inflação - de 5,28% nos sete primeiros meses do ano.
Todas essas mudanças têm suscitado um debate entre os participantes do setor sobre a necessidade de remodelar o atual sistema de financiamento imobiliário no país.
Atualmente, as principais fontes de recurso para a concessão do crédito imobiliário (os fundings, no jargão do mercado) são a poupança e o FGTS. Enquanto os recursos da poupança são usados para os financiamentos pelo SBPE, que cobrem a maioria dos financiamentos do mercado, os recursos do FGTS são usados no programa Minha Casa Minha Vida e na linha Pró-cotista.
Para o professor do núcleo de real estate da Poli-USP, a discussão sobre as alternativas de funding deve ser feita o quanto antes, já que os recursos da poupança não voltarão a ser abundantes tão cedo. “Alguém que perdeu o emprego e sacou 20 mil reais, vai levar um bom tempo para acumular esse valor na poupança de novo, não é questão de um ano ou dois anos, mas de cinco anos para uma década”, diz.
Por mais que taxa de juro volte a cair e torne a poupança menos desvantajosa em relação aos investimentos que acompanham a Selic, Rocha Lima diz que os recursos da caderneta são instáveis, afinal o poupador pode resgatar seu dinheiro a qualquer momento, mas o banco ainda assim se compromete a oferecer o crédito por um período longo, de até 30 anos.
Algumas alternativas, segundo o professor, seriam: adotar critérios mais flexíveis para utilização dos recursos do FGTS e ampliar a captação de recursos no chamado mercado livre, ou seja, por meio de investimentos que pagam rendimentos em linha com os juros básicos da economia.
Se isso ocorrer, no entanto, a tendência é de que os custos dos financiamentos subam ainda mais. Enquanto hoje a maior parte dos recursos usada é proveniente da poupança, que paga 6,17% ao ano mais a Taxa Referencial, se os bancos tiverem de captar recursos por meio de investimentos com rendimentos em linha com os juros básicos, o empréstimo ficará mais caro na ponta final.
Renato Ventura, da Abrainc, afirma que a criação de novos investimentos que auxiliem na captação de recursos é uma alternativa que tem sido vislumbrada pelas incorporadoras. “Na Abrainc nós vemos a necessidade de se pensar em outras formas de financiamento e temos conversado com bancos e participantes do mercado sobre isso. Uma alternativa que consideramos interessante é a LIG."
A Letra Imobiliária Garantida (LIG) foi criada pela lei nº 13.097 e sancionada no início deste ano, mas depende de regulamentação do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ela é semelhante a um Certificado de Depósito Bancário (CDB), mas será isenta de Imposto de Renda e terá lastro (garantia) em operações de crédito imobiliário, títulos públicos, derivativos e outros.
A LIG foi inspirada nos covered bonds, títulos usados como fonte de recurso para o mercado imobiliário na Europa, que existem há mais de 200 anos no continente.
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